Em entrevista ao SAPO Mag, o realizador destacou o que o fascina na cultura portuguesa e recordou alguns dos seus ícones, D. Sebastião e Fernando Pessoa. O seu filme “Lisboa Revisitada” e o impacto do turismo de massas na capital também foram abordados.

SAPO Mag - Em 2004, começou a sua ligação presencial com Portugal. Passados 15 anos, tem um amplo evento dedicado ao seu trabalho, que inclui um livro, uma exposição, uma retrospetiva e para o qual produziu um filme, "Lisboa Revisitada". O que representa para si esse evento?

Eugène Green: Esta exposição é a primeira dedicada ao meu cinema, e representa um olhar de fora – neste caso preciso, o do António Preto – sobre o meu trabalho, algo muito interessante e, evidentemente, diferente dos próprios filmes. Teria sido importante onde quer que estivesse, mas do ponto de vista afetivo, fico muito comovido que esteja em Portugal, por causa dos laços que tenho com este país.

No seu trabalho incorporou alguns elementos icónicos da cultura portuguesa, como o fado, Fernando Pessoa e até o mito de Dom Sebastião. O que o fascina nestes elementos e em Portugal em geral?

Por um lado, trata-se duma “afinidade eletiva” que não procuro compreender intelectualmente, como aquela que me atira à cultura basca. Por outro, o facto de que Portugal tem uma identidade forte num mundo “pasteurizado”, onde o modelo único é o dos bárbaros que bebem Coca-Cola. Isso fascina-me muito. Contrariamente ao que pensam as pessoas virtuosas, uma identidade não “fecha” aos outros as pessoas que a possuem: só uma identidade permite abrir-se ao mundo e à alteridade. O mito de D. Sebastião é uma crença messiânica que traz uma luz a este mundo de trevas bárbaras, e isso é muito importante para poder continuar a procurar a vida e a felicidade (em francês diria “la joie”, que não é completamente o equivalente). Mesmo Pessoa, estando “à beira-mágoa”, encontrou a esperança na tese do Encoberto.

Como Fernando Pessoa salvou Portugal

No ano passado lançou o filme “Como Fernando Pessoa salvou Portugal”, com um notório acento cómico, onde, de certa forma, um poeta salvava o seu país de um ícone do imperialismo. Acredita nisto, na sobrevivência do poder e da beleza da arte perante o negócio, no mundo profundamente mercantilista no qual vivemos?

Claro que sim. As pessoas virtuosas suspeitam da beleza, da arte, e sobretudo da ficção, porque a virtude de hoje corresponde à telerrealidade, ao consumo, e às redes sociais. Do ponto de vista dos virtuosos, têm razão de suspeitar, porque aquelas são armas poderosas contra aqueles, e são armas pacíficas, que não matam ninguém.

O que pode adiantar sobre "Lisboa Revisitada", que inicialmente estará disponível apenas no local da exposição? E sobre o seu novo projeto, "Atarrabi eta Mikelat", rodado no País Basco?

“Lisboa Revisitada” é um filme de montagem, no qual justaponho imagens de “A Religiosa Portuguesa”, filmadas em 2008, com imagens dos mesmos sítios em Lisboa, feitas em 2019, e que mostra a cidade destruída pelo turismo de massas e a especulação imobiliária. Mostra também a violência disso. Estes são dois assuntos essenciais da longa-metragem de ficção que espero realizar em Portugal – se encontrarmos o financiamento – “A Árvore do Conhecimento”. O meu novo filme basco, “Atarrabi eta Mikelats”, é inspirado num mito basco e falado em euskera. É a história dos dois filhos de Mari, a grande deusa basca, que os entrega ao Diabo para que os eduque. Evoca os temas da graça, do destino e do amor, os mesmos de “A Religiosa Portuguesa”. Espero que venha a ser distribuído em Portugal.

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