O ator luso-guineense Welket Bungué, que interpreta o papel principal no filme “Berlin Alexanderplatz”, em competição na Berlinale, admite ser um “peão português” num dos mais importantes festivais de cinema que começa hoje.
“Quando um filme destes surge no panorama (…) temos de nos apoiar uns aos outros, porque não há mais nenhuma longa-metragem portuguesa em competição [na competição principal], mas têm um peão português que está ali para dar o seu melhor”, confessou o ator em entrevista à agência Lusa.
Em “Berlin Alexanderplatz”, Welket Bungué interpreta Francis, um refugiado que chega à Europa depois de um violento naufrágio, falando, ao início, inglês e apenas algumas palavras de alemão.
“É preciso valorizar, porque poucos são os países que conseguem formar artistas para que possam ter esta transversalidade e sejam multifacetados desta maneira”, acrescentou o ator, que acolheu com muita alegria a nomeação do filme ao Urso de Ouro.
“Esta é uma circunstância rara, se não mesmo única, em que me vejo a interpretar um personagem que fala alemão e inglês. Posso dizer que é uma espécie de retribuição, que infelizmente não consegui ter no meu país, o que é uma pena. Imagino que, se pudesse interpretar esta personagem na minha língua, que é o português, teria podido alcançar outros níveis”, admitiu.
“Acolhi com muita alegria, com muito sentimento de reconhecimento, com muito orgulho, principalmente por ser um cidadão guineense português, e estar familiarizado sobretudo com a realidade luso-africana, não só no contexto social, mas também no contexto da indústria cinematográfica, que existe em Portugal e que praticamente não existe na Guiné-Bissau”, adiantou.
“Berlin Alexanderplatz” é um dos 18 filmes da competição principal da Berlinale. Welket Bungué trabalha em Berlim desde 2016 e mudou-se para a capital alemã em novembro do ano passado. Em Portugal estreou-se há mais de dez anos nas séries “Equador” e “Morangos com Açúcar”.
“Em Portugal, e desde muito cedo, vi-me forçado a perceber que não tinha um mercado que pudesse suprir as minhas ambições como artista. Nesse sentido fui estudar para o Brasil, onde comecei a trabalhar em cinema com grandes profissionais. Mas dadas as circunstâncias do panorama político neste momento, decidi que era tempo de regressar à Europa, e Berlim era a cidade que mais se encaixava nos meus desejos”, partilhou.
“Kaminey” foi o seu primeiro filme em 2008, na Índia, com Vishal Bhardwaj, numa produção de Bollywood. Em Portugal foi através de colaborações com os alunos finalistas da licenciatura em cinema da Universidade Lusófona que construiu o portfólio.
“Estamos a viver num momento controverso, mas, ao mesmo tempo, inspirador e que incute em nós este dever de criar, de trazer discursos, de denunciar, de questionar. Isto passa sobretudo pelas abordagens que tenho feito nos meus projetos pessoais que têm muito a ver com pós-colonialismo, direitos civis, questões sociais relacionadas com a diáspora”, avançou.
“Berlin Alexanderplatz” é inspirado num romance escrito em 1929 por Alfred Döblin, um filme “bastante denso”, compilado em cinco capítulos, explicou Welket Bungué, que não falava alemão.
“Foi muito desafiante (…) Ao deparar-me com essa aparente limitação tive de incorporá-la, sendo o refugiado que entra neste território e que não se consegue expressar linguisticamente, e isso é um entrave real. Nunca fui refugiado, mas sou filho de migrantes, que foram para Portugal, portanto passamos por esse processo de assimilação linguística e este personagem também”, revelou.
“Este filme debate-se muito com as estruturas que imperam no continente europeu e que filtram a entrada de pessoas, mesmo quando estão a fugir de situações de guerra. É também retratada a promiscuidade associada ao asilo e que, embora seja do conhecimento global, é uma temática que ainda não está esgotada”, opinou.
“Berlin Alexanderplatz”, do realizador Burhan Qurbani, tem estreia mundial no dia 26 de fevereiro, na Berlinale.
O festival internacional de cinema de Berlim começa hoje e termina no dia 1 de março.
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