Em entrevista à Lusa, o artista disse que a profusão de álbuns e outros projetos que lançou em nome próprio desde 2018, bem como a intensificação da agenda de concertos e a vontade própria, o fez tomar a decisão.

Na quinta-feira, David Bruno sobe ao palco do Coliseu do Porto, para o concerto de despedida, o ‘oficial’, uma vez que a atuação no Festival F, em Faro, no dia seguinte, é mais “um ‘after’”.

A ideia foi “muito simples”, como contou numa conversa no Parque de São Caetano, em Vila Nova de Gaia.

“O principal motivo é porque me apeteceu. Porque não havia nada para além disso que me obrigasse a parar. Não foi nenhum fator de indústria, música, agências ou coisas de mercado que me parassem”, admitiu.

Desde “O Último Tango em Mafamude”, em 2018, “que foi sempre a lançar coisas, álbuns e campanhas”, como “Raiashopping” (2020), “Miramar Confidencial” (2019) ou “Palavras Cruzadas” (2021), como David & Miguel ao lado de Mike el Nite, antes da áudionovela “Sangue e Mármore”, no ano passado.

Dentro desse “universo David Bruno”, como lhe chama, há ainda campanhas com marcas de tecnologia ou casinos, “o que, apesar de tudo, é um desgaste de imagem”, mas sobretudo um indicador de que “a ascensão foi muito grande”.

“Não esperava. Em fevereiro de 2018, estávamos num centro comercial abandonado em Gaia a dar o primeiro concerto. No último ano, estivemos no Tivoli, Coliseu. São muitos anos, com muitos projetos. De certa forma, embora eu continue no estúdio a fazer música nova, sinto que faz bem a toda a gente, a todos os artistas, parar e não inundar o mercado”, refletiu.

Em suma, e com Conjunto Corona a pouco mais de um mês de lançarem novo álbum, continua “a fazer música, ter muitas ideias, muitos projetos”.

“Há um [projeto] que vejo como muito sólido. O que eu vou fazer é meter as coisas dentro do sal, deixar salgar, e daqui a uns tempos vou ver se ainda estão boas para comer ou não”, explica.

Como “não existe rápido demais hoje em dia, para o bem e para o mal”, guia-se pela honestidade no trabalho.

“Não é bom um artista andar a tocar porque sim. ‘Roger Waters vai dar o último concerto’, e já foram para aí 10. Isso não é honesto. O que gosto mais na minha música é que é honesta. [...] Com os concertos é igual, nunca tive aquela lógica de preparar o espetáculo. Prezo muito a honestidade. A fazer muita música, chega a uma altura em que ou fazes música nova, ou então, se tocas só porque sim, não é honesto”, afirmou.

Quanto a Conjunto Corona, um projeto com o 'rapper' Logos que estava sem novos lançamentos desde “G de Gandim” (2021), o próximo disco sairá já em 13 de outubro, uma sexta-feira 13, e vem “de uma conversa comum na estrada”.

“[É sobre] o paganismo em Portugal. Há muitas coisas que fazes e dizes e nem sabes porquê. ‘Isso é da igreja’. Não, não, são coisas muito mais de trás, muito antigas. É sobre esse lado da cultura portuguesa, de as pessoas nem se aperceberem de rituais pagãos, em coisas que fazemos todos os dias, e nem fazermos ideia”, revelou.

Depois de surgir com este projeto de rap, David Bruno foi conquistando espaço na cena musical nacional ao explorar paisagens do Norte do país, dos subúrbios do Porto, e subculturas peculiares - já se descreveu como antropólogo da era digital, já foi descrito como olheiro da portugalidade.

Aliado à exploração de temas românticos, à moda de Marante ou outros artistas populares, de crime ou mesmo a cultura raiana, David Bruno assenta nas histórias todo o processo criativo.

A vontade de contar histórias veio dos avós e é notória em qualquer interação, sem ser preciso muito tempo para o comprovar, uma vez que durante a conversa com a Lusa relatou inúmeros episódios que testemunhou, de balcões de ‘tascos’ a aventuras na noite, conselhos familiares e conversas com membros da banda.

“Se tenho ideias para escrever essas histórias, argumentos… a minha vida foi sempre histórias. Os meus avós sempre contaram histórias e todos os meus álbuns são uma história”, disse.

Em cima da mesa está uma adaptação de “Sangue e Mármore” para teatro, um dos convites de fora da música que abraçou.

Outra adaptação, no caso para televisão não avançou.

Contar histórias é o que o “inspira mais para fazer música”.

“A minha música até pode ter uma camada não literal, mas há uma camada sempre muito literal, sobre sítios, lugares e hábitos portugueses que à partida não seriam muito interessantes ou serviriam para construir uma coisa muito artística”, comentou.

Essa exploração da portugalidade “está na moda, e às vezes de maneira errada”, com abordagens em que “não se ri com, mas quase se ri de, aproveita-se de”.

“Acreditas que aquelas pessoas gostam de malhão, e de ir a um tasco comer um prato de cinco euros, e falar com os picheleiros no balcão? Não. Voltamos ao que aprecio mais, que é a honestidade. Toquei nesses temas, foi o que me inspirou, mas respeitando-os, quando muito rindo-me com, nunca de, e a mostrar que são coisas que realmente gosto”, afirmou.

Aceita ter usado esse conceito “como cavalo de batalha”, e sente-se “um embaixador desse lado menos conhecido e menos bonito de Portugal”. “Hoje em dia há muitos? Sim. O público é que tem de distinguir os verdadeiros e os que se aproveitam da moda? Sim”.