“O espetáculo não estava na nossa programação, que tínhamos anunciado. Veio também fruto da COVID. Na altura em que nós estivemos em casa, pensámos numa alternativa para fazer teatro sem perigo, apenas com uma atriz. Ir falando pelo Skype (…) até haver possibilidade de trabalharmos em palco”, explicou à Lusa o encenador José Leitão, responsável pela peça “A Desumanização”, após o ensaio de imprensa que decorreu hoje, na Quinta da Caverneira, em Águas Santas, no concelho da Maia.

José Leitão assume que a dramatização do romance do escritor português Valter Hugo Mãe é um espetáculo em que ninguém corre perigo de contágio: nem os atores, "porque há apenas uma atriz", nem o público, porque “está bastante resguardado”, na Quinta da Caverneira.

“A Desumanização” é uma história de “perda, luto e superação” que questiona sobre os limites, ou sua transgressão, da realidade, por Halldora, a mulher que perdeu a irmã gémea, Sigridur, com a idade de 10 anos, numa aldeia “abafada” pelos fiordes islandeses.

O espetáculo, tal como o livro, é na “primeira pessoa”, é uma espécie de “recordação”, é sobre o dilema “entre pai, mãe e filha viva, a Halldora, que recorda os tempos da sua irmã que morreu, Sigridur”, explica José Leitão.

Para o encenador, este espetáculo serve para refletir sobre o que se passa à nossa volta.

“Tem momentos de tristeza, mas Halldora liberta-se e consegue vencer a crise de toda uma infância tremenda (…) e está a contar uma história, perdoando o passado e estando no presente, pronta para o que viver e para ter um bom futuro”, desvenda José Leitão.

Com dramaturgia de José Pedro Pereira, a obra teatral, tal como a obra narrativa original, de Hugo Mãe, vai até à Islândia buscar referências para a sua ficção em palco, num olhar estrangeiro sobre um país e as suas gentes, confrontando os vários olhares de que é feita a vida, entre o real e o imaginário.

A história desenrola-se na Islândia, país que encarna “todo o mundo”.

“Podia ser na Islândia, com o seu gelo, com as suas neves eternas, com uma população diminuta, ou podia ser no Burkina Faso ou no Chade, com as areias do deserto. O homem é sempre o homem e as suas circunstâncias. A humanidade é toda igual e o que às vezes a diferencia são traços determinados que há à sua volta. A Islândia tem, de facto, como lhe chama Valter Hugo Mãe, o 'tremendismo islandês'. São aquelas montanhas. É aquele gelo, é aquela solidão de lava, de terra sem árvores”.

Tentando manter-se o mais fiel possível à obra do escritor, a adaptação fez ligeiras alterações às palavras do autor, "mas fez grandes cortes à narrativa, para se focar maioritariamente na primeira metade da obra”, explica, por seu turno, o dramaturgo José Pedro Pereira, acrescentando que optou pela construção de uma ação que dá “especial enfoque” ao núcleo familiar da casa de Halldora, explorando as suas relações com o pai e a mãe, após a morte de Sigridur.

A narradora e intérprete solista é interpretada pela atriz Daniela Pego, que surge pela primeira vez em palco junto duma sepultura, com uma cruz de madeira em cima, num ambiente de cor branca a remeter para o frio e o gelo sentidos numa aldeia envolvida pelos fiordes islandeses.

“Tudo em meu redor se dividiu por metade com a sua morte” é a primeira fala de Halldora, uma mulher com cerca de 40 anos que vai contar a história da morte da irmã, dos sonhos de ambas e de como a mãe a tratou.

A peça, cuja duração é de cerca de uma hora, é a 115.ª criação do Teatro Art’Imagem. Tem André Barros na assinatura da música, Cláudia Ribeiro na figuração, e André Rabaça na luz e sonoplastia.

O Teatro Art’Imagem é uma associação cultural financiada pela Ministério da Cultura através da Direção-Geral das Artes. Fundada no Porto, em 1981, desenvolve a sua atividade artística e de produção na Quinta da Caverneira, na Maia.