Videoclip de "Du Hast" (1997):

Antes de serem apadrinhados pelo realizador de "Twin Peaks", os Rammstein já tinham atiçado alguma polémica com o primeiro videoclip de "Du Riechst So Gut" (1995), um dos mais modestos do grupo mas, ainda assim, com um cuidado visual a ter em conta - e cuja estética "teutónica e marcial" intimidou alguns, aponta o vocalista. "Seemann" (1996) trouxe outro requinte e ousadia ao cruzar imaginários urbanos e futuristas que tanto lembravam o universo BD de Enki Bilal, as fantasias teatrais dos Fura dels Baus ou algum cinema de Guillermo Del Toro (o que fez e o que viria a fazer) e... David Lynch, influência assumida.

Foi também com "Seemann" que os Rammstein começaram a ter um envolvimento mais forte nos seus videoclips, custasse o que custasse. Aí, custou-lhes ficar sem cabelo porque as personagens o pediam. Anos depois, a entrega à imagem obrigaria a alguns sacrifícios mais extremos, como a bochecha perfurada de Lindemann - o preço a pagar para que a sua boca tivesse direito a luz própria no videoclip de "Ich tu dir weh" (2009). "Temos de nos esforçar pessoalmente se quisermos que o videoclip seja bom e que represente a banda", defende Paul H. Landers, um dos guitarristas, num dos making of. Jonas Åkerlund, o realizador desse videoclip (ou de, entre muitos outros, "Telephone" e "Paparazzi", de Lady Gaga), elogia a aliança entre "instinto e performance" do grupo que lhe potenciou alguns dos seus exercícios mais excessivos - em especial a abordagem à pornografia de "Pussy" (2009) ou os duelos, com tanto de grotesco como de homoerótico, de "Mann Gegen Mann" (2006).

Videoclip de "Sonne" (2001):

A vertente performativa, por vezes com piscadelas de olho cinéfilas, é praticamente um pré-requisito para todos os videoclips dos Rammstein e, além dos já referidos, marcou o clássico "Du Hast" (1997), cujos gangsters encarnados pela banda eram primos direitos dos de "Cães Danados", de Tarantino, enquanto que "Engel" (1997), onde uma roliça domadora de serpentes dançava para o grupo num bar, ia buscar inspiração a "Aberto Até de Madrugada", de Robert Rodriguez. Em "Sonne" (2001), os Rammstein sujaram as mãos (e o corpo) no papel de mineiros, ao serem os anões de uma adaptação muito livre (e muito politicamente incorreta) do conto de Branca de Neve, que adicionava a toxicodependência aos condimentos da ação. Outras provocações incluíram o olhar crítico sobre a política e os media de "Ich Will" (2001) ou o hino subversivo de "Amerika" (2004), com mira nos EUA e nas ilusões da máquina televisiva.

Além dos muitos triunfos, a viagem por "Videos 1995-2012" também recorda os dissabores de alguns episódios do percurso dos Rammstein. Curiosamente, ocorreram nos videoclips em que, ao contrário do habitual, nem todos os elementos da banda estavam presentes - ou o grupo não estava presente de todo. É o caso de "Mutter" (2002), um dos singles do difícil terceiro álbum, homónimo, que quase decretou o fim do sexteto. Foi um dos poucos videoclips dos Rammstein a dar preponderância ao vocalista, o único elemento presente, opção pouco condizente com o modelo democrático defendido desde cedo pela banda - e motivada não por uma egotrip repentina de Lindemann, mas por falta de consenso em relação ao processo criativo.

Videoclip de "Amerika" (2004):

Mais crítica, mesmo assim, foi a fase de "Stripped" (1998), versão de um tema dos Depeche Mode com videoclip nascido de imagens de "Olympia", filme de propaganda de Leni Riefenstahl aos Jogos Olímpicos de Verão de 1936, em Berlim. A escolha, que os Rammstein consideram ingénua, foi a cereja em cima do bolo para quem associava o grupo a movimentos de extrema-direita e despoletou, quase instantaneamente, uma espiral de tensão que se alastrou pela editora, pela imprensa ou até por outros músicos.

Hoje, o grupo continua a apontar esse como um dos momentos mais conturbados do seu percurso, mas mantém-se orgulhoso do resultado artístico e demarca-se da direita radical ao confessar admiração pela mensagem estética, e não política, de Riefenstahl. Contornando a ideologia que envolveu as imagens originais, o resultado é um casamento inesperado, e inesperadamente certeiro, entre uma excelente versão (que chega a mutilar a letra da canção dos Depeche Mode sem nunca a desvirtuar) e o não menos brilhante sentido de composição visual da controversa realizadora alemã.

Videoclip de "Stripped" (1998):

Embora tenham estado à beira do precipício duas ou três vezes, como as muitas conversas de "Videos 1995-2012" atestam, os Rammstein mostraram-se sempre capazes de voltar a um porto seguro que, para o melhor e para o pior, nunca deixou de estar alicerçado na química dos seus seis elementos - a formação mantém-se imutável e inabalável desde os primeiros tempos. A julgar pelos videoclips mais recentes incluídos nesta edição, a vontade de os músicos vestirem personagens novas também permanece ponto assente. Depois de uma carreira feita de transfigurações, ainda há espaço e ideias para surpresas como as de "Mein Land" (2011), que atira os Rammstein para um dos últimos cenários onde os imaginaríamos: uma praia californiana com uma estética anos 1960, boa disposição a rodos e pin ups à discrição.

Em compensação, um dos dois videoclips de "Mein Herz Brennt" (os inéditos de "Videos 1995-2012", que recuperam uma canção de "Mutter"), devolve os Rammstein à cruza e violência a que são habitualmente associados, numa feira de horrores gótica, mórbida e barroca. Mais simples, mas ainda atormentado q.b., o videoclip de "Mein Herz Brennt (Piano Version)" concentra-se apenas num Till Lindemann que dá corpo a um palhaço frágil e triste, mais próximo do palco de um teatro do que de um concerto. É dos raros videoclips em que a megalomania inata dos Rammstein fica à porta, até porque dificilmente serviria bem uma versão tão sóbria da canção. E também nem valeria a pena chamar Johnny Depp: "Videos 1995-2012" prova, e esta recente interpretação de Lindemann só vem reforçar, que os Rammstein são mesmo os melhores atores para os seus filmes.

@Gonçalo Sá