A HISTÓRIA: Em New Bedford, no Massachusetts, uma família disfuncional leva uma vida mundana, em todas as sombras e variantes de preto e branco – que são precisamente o que a tornam tão especial. Um verão, os jovens Billie e Nico (Lana e Nico Rockwell) embarcam numa aventura pela fantástica e poética essência do que é ser-se criança, longe dos olhares dos adultos.

"Sweet Thing - Infância à Deriva": nos cinemas a partir de 22 de julho.


Crítica: Hugo Gomes

"A Coisa Doce", a tradução literal do título original, é uma espécie de "heresia" em relação a mais uma história de infâncias indesejadas e lares destruídos. Este não é certamente um filme doce, mesmo que as suas personagens centrais encarem a sua tragédia pessoal com um otimismo inabalável, como se um mero sonho de criança, forte e rijo para o que der e vier, se tratasse.

Crianças errantes são um dos dispositivos-chave do cinema americano (veja-se no influente “Little Fugitive” em 1953), mas há aqui um desejo de tornar esta história de dois irmãos que oscilam nas mãos infortunas dos seus pais (ele um alcoólatra, ela uma mulher sem dotes maternais) numa lição fabulista, um Charles Dickens arraçado com um espírito evocador das juventudes inquietantes do cinema americano da década de 1990, de um "Juventude Inconsciente" (1993, Richard Linklater) ou "Kids" (1995, Larry Clark).

A graciosidade deste filme de Alexandre Rockwell (um dos quatros realizadores do já distante filme coletivo de 1996 “Quatro Quartos”, ao lado de Robert Rodriguez e Quentin Tarantino) encontra-se no seu ar "desorganizado", na entropia fílmica que nos faz aproximar "fisicamente" destas crianças de futuro incerto. A violência funde-se com as suas carnalidades, são vitais para o seu "funcionamento", e só a música acalma a dor que se banalizou, com Billie Holiday personificada nesse antídoto, colorido em contraste do preto-e-branco assumido pelo filme.

Seguindo a mesma estética do seu anterior filme – “Little Feet” (nunca estreado em Portugal) – e novamente protagonizado pelos seus filhos Lana e Nico, o realizador invoca um cinema de um passado não tão distante, caoticamente envolvente, preenchido, calculadamente ingénuo e sem cedências a moralismos (mesmo que o final expresse um subtil manifesto contra a violência policial). "Sweet Thing - Infância à Deriva" confirma que a infância continua a ser um pouco conhecido campo de batalha...