Criado em 1940, Shazam! surgia como uma condensação do desejo íntimo dos leitores de "comics" de encarnar os fictícios ídolos. Em plena idade de ouro da indústria de BD de super-heróis, o anteriormente apelidado Capitão Marvel (não é difícil de perceber o porquê da mudança de nome) ostentava uma natureza meta, seguindo simplesmente a premissa de “transformar” o jovem Billy Batson num herói à sua medida com a simples proclamação da palavra “Shazam!” (que viria a tornar-se no seu futuro baptismo).

Um ano depois do seu nascimento, o Shazam! encontraria nova “casa” nos grandes ecrãs, à imagem dos muitos super-heróis que, na altura, transitavam das páginas para os cinemas sob o formato de “seriado”. E se “O Invencível Capitão Marvel”, protagonizado por Tom Tyler, pode não ter conservado o espírito da matéria-prima, era um produto do seu tempo, envergando nas variações do vilanesco Fu Manchu (que continuava a persistir no modelo predileto do vilão megalomaníaco em Hollywood) e num certo jeito "camp", antes da definição do mesmo conceito.

Contudo, é hoje, em plena era dourada do cinema de super-heróis, que “Shazam!” se proclama como protagonista de tempo inteiro.

Tendo como rival a Marvel/Disney em etapas distantes, a DC/Warner tenta sobretudo colmatar agora os “erros” endereçados por uma direção contrastada com o colorido das aventuras dos Vingadores. Após Zack Snyder e os seus planos “afundarem-se”, principalmente com "Liga de Justiça", e “Aquaman” revelar-se um estrondoso êxito, James Wan apoderou-se criativamente do "franchise" e confia agora no “braço direito”, David F. Sandberg, a responsabilidade neste herói de capa branca.

O realizador, habituado às andanças do terror de indústria com rasgos de criatividade nos seus "jump scares" (“Lights Out - Terror na Escuridão”, “Annabelle 2: A Criação do Mal”), encontra algum júbilo nos momentos de terror limitado da sua auto-censura.

Digamos que "Shazam!" é uma invocação do protótipo filme de família dos anos 80, passando por "Goonies" e "Gremlins", o equilíbrio dos elementos familiares que nunca dissipam a atmosfera fantástica e ocasionalmente agressiva. Sim, nestes tempos em que as décadas anteriores são “vacas leiteiras” de nostalgia mercantil, “Shazam!” não quer estar fora do clube. E esse aspecto condena à partida uma das suas melhores virtudes, o jogo de pós-modernismo deste universo.

Curiosamente, esta não é a sua inauguração. Zack Snyder já havia concretizado pequenos aperitivos no seu infame (mas cada vez mais reavaliado) “Batman V Superman: O Despertar da Justiça”, como uma sugestiva reflexão da condição quase teológica do seu herói em ação [o Super-Homem]. Mas com “Shazam!”, a proposta é o seu leme, tentando inserir estes heróis num contexto do nosso mundo, e olhando para eles como se espectadores se tratassem.

Neste registo, filmes como “Kick Ass”, “Deadpool”, “Logan” e até mesmo o recente “Homem-Aranha: No Universo Aranha”, transportaram, cada um à sua maneira, a bandeira desse tão citado pós-modernismo na vaga do super-heroísmo, “Shazam!” apenas vem atrasado para a “festa” e isso prejudica o exercício que poderia ser cometido aqui.

Obviamente, que esta natureza é ,por motivos industriais, ao elementos tradicionais do filme de família e da moralidade quase "disnesca". Não é por menos que o objetivo é alcançar as pegadas deixadas pela Marvel e para isso há que recitar o seu tom para tecer a fórmula necessária para encaminhar todo um "franchise".

Por entre jogadas e cedências, “Shazam!” possui um verdadeiro trunfo: Zachary Levi é um “ás”, conseguindo emanar o carisma pretendido e erguendo o filme um pouco acima da saturação do seu território.

"Shazam!": nos cinemas a 4 de abril.

Crítica: Hugo Gomes

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