Lembra-se do canal Hallmark? Dos filmes postal, produzidos em estúdio com aspeto de telenovela e um "glow" artificial que rapidamente nos tirava para fora da ilusão? Juntando a isso aquela música que define a entrada na quadra natalícia e temos o espírito redundante e rocambolesco de "Last Christmas", o novo filme do realizador Paul Feig ("Caça-fantasmas", "A Melhor Despedida de Solteira) e escrito pela oscarizada Emma Thompson.

O tema homónimo dos Wham! é a profecia nesta comédia romance e evidência de "spoilers" descaradamente colocados nos nossos ouvidos e algum comentário social pelo meio.

Emilia Clarke é Kate, uma jovem que percorre Londres em busca de sítio onde pernoitar, propensa a más decisões e auto-depreciação. Funcionária numa loja de artigos natalícios, gerida por Santa (Michelle Yeoh), ela veste-se de elfo e salta de audição em audição de canto, em busca da oportunidade para singrar. Ao mesmo tempo a sua vida é um caos, mas também uma segunda oportunidade pois sobreviveu recentemente a um problema de saúde.

Já Henry Golding é Tom, um inesperado bom samaritano, com aura alegre e perspicaz, repleto de piruetas inusitadas no meio da rua, acompanhadas de um convidativo “Só tens de olhar para cima”. Charmoso e conveniente, tende a surgir nos momentos mais aflitivos de Kate, para lhe mostrar a beleza e candura de Londres natalícia e consequentemente, dos seus habitantes menos afortunados. Enquanto Kate lida com as suas asneiras, a família desconexa e o lugar no mundo, Tom parece-lhe demasiado perfeito para ser verdade.

De diálogos ritmados, sagazes, linguarejar "trash" e um piscar de olho à série de sucesso "Fleabag", há neste argumento uma vontade de respirar para lá da cultura açucarada do Natal, como uma bola de enfeitar estilhaçada no chão.

O comentário social está presente, seja pela solidão e a caminhada errante de uns, ou pela exploração de linhas narrativas como a xenofobia patente no Brexit e a saúde mental. Só que falta a "Last Christmas" um bom embrulho pois perde-se na falta de lógica e alguma patetice da relação entre Tom e Kate. Querendo ser mágico, perde acutilância.

Ainda assim, tem uma surpresa no sapatinho: a representação de Emilia Clarke, que traz para o grande ecrã a "persona" já lhe conhecida das entrevistas, onde imperam o sarcasmo e a língua afiada.

Com a segunda metade a tentar puxar dos clichés todos para compor o milagre de Natal, este será um filme para ser repetido vezes sem conta na televisão, de cálice de Baileys na mão. Mas logo que antecipar a grande revelação da história, a tentação será a de mudar de canal.

"Last Christmas": nos cinemas a 5 de dezembro.

Crítica: Daniel Antero

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